CHAPEUZINHO VERMELHO

Por Arilda Riani*

Na história original de Chapeuzinho não havia menção ao capuz vermelho, introduzido muitos anos depois na primeira compilação feita pelo francês Charles Perroult, inspirado no episódio Massacre dos Gatos, ocorrido no séc. XVIII na cidade de Paris. Nesta versão, além da inclusão do capuz vermelho e do caçador, uma visão moral foi escrita para fechar o conto. Simbolicamente, a narrativa trata de um rito de passagem em que a menina deixa de ser criança e amadurece rapidamente ao se ver diante do perigo.

A história foi reescrita posteriormente pelos irmãos Grimms trazendo um conteúdo menos assustador, mais de acordo com o Romantismo na Literatura, a fim de que também as crianças tivessem acesso ao conteúdo da narrativa.

Atualmente, a história pode ser encontrada em dezenas de versões. No Brasil, as mais conhecidas são Chapeuzinho Amarelo, de Chico Buarque, Fita Verde no Cabelo, de Guimarães Rosa, a música Lobo bobo de João Gilberto, e Chapeuzinho Vermelho, de Millôr Fernandes.

Charles Perrault

Enquanto Chico Buarque e Guimarães Rosa tomam a simbologia das cores “amarelo” e “verde” para caracterizar Chapeuzinho como menina medrosa e com dificuldade de comunicação, João Gilberto inverte a história e descreve o lobo como um azarado e pobre coitado, que acaba submisso e acorrentado na coleira da espertíssima Chapeuzinho.

CWilhelm and Jacob Grimm, 1847; daguerreotype by Hermann Blow

Os irmãos Grimm

Ao admitir “o tempo como uma realidade palpável, na versão de Millôr Fernandes (publicada ao fim deste artigo) não há a renovação do maravilhoso na expressão secular “era uma vez”. Sua intenção é aproveitar a história para brincar com os recursos da metalinguagem, a função da linguagem cotidianamente utilizada na comunicação para explicar o próprio código, para descreve sobre ela mesma quando recorremos ao dicionário para conhecer o significado de uma palavra, função que pode ser encontrada na música, na fotografia, no desenho, entre outras artes.

Embora brincando com o conteúdo da metalinguagem, Millôr partilha com seu leitor o que domina do mundo e mostra que o Lobo Mau não é outra coisa senão um serzinho ignorante e valentão, criado por um cérebro “superexcitado”e medíocre.

O carioca Milton Viola Fernandes, o Millôr, desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, poeta e tradutor adquiriu notoriedade por suas crônicas de humor, muitas deles tomadas a fábulas centenárias para expressar sua posição política, publicadas em vários órgãos da Imprensa do Rio de Janeiro. Faleceu no dia 27 de março de 2012, aos 87 anos de idade.

*Articulista de Literatura é bom pra vista, Arilda Riani é professora, doutora em Letras pela Uerj e especialista em Guimarães Rosa e José de Alencar

Chapeuzinho Vermelho

Millôr Fernandes

“Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e… (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, – natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes).

Millôr Fernandes

Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: “Psychopathology Of Everiday Life”, The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a ideia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó. Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranoica pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em “Sexual Behavior in the Human Female”. W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranquila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau”.

Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: “Onde vais, linda menina”? Respondeu Chapeuzinho Vermelho: “Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde”.

Uma consideração sobre “”

  1. Nossa, sou sua fã incondicional. Agora quero reler os contos da chapeuzinho e suas referências que não estão nem de longe de acordo com nossas fantasiasromantizadas.

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