Exposição permanente recupera a memória da ditadura brasileira

Também compõem a exposição as imagens do fotógrafo Hiroto Yoshioka, que registrou o enfrentamento dos que lutavam pela democracia e a destruição do prédio que hoje abriga o Centro Maria Antonia da USP. A entrada é gratuita.

O Centro MariAntonia da USP promove a exposição MemoriAntonia: por uma memória ativa a serviço dos direitos humanos. A mostra é composta por obras de artistas que se debruçam sobre os 21 anos de ditadura no Brasil (1964-1985) e por fotografias de Hiroto Yoshioka e Orlando Brito, com curadoria do professor Márcio Seligmann-Silva e do pesquisador Diego Matos.

O título da exposição remete a outra mostra, A alma dos edifícios: MemoriAntonia, que aconteceu no mesmo local em 2003, reunindo os artistas Horst Hoheisel e Andreas Knitz, da Alemanha, Marcelo Brodsky, da Argentina, e Fulvia Molina, do Brasil. Nessa época, a USP recebeu de volta o edifício Joaquim Nabuco, que integra o conjunto original da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e que, durante o período da ditadura, abrigou a administração carcerária na cidade.

A diretora do Centro MariAntonia, Lucia Maciel Barbosa de Oliveira, explica que a intenção da mostra é “produzir um movimento crítico neste momento difícil em que a democracia está tensionada no Brasil e as forças conservadoras ganham terreno”. Segundo ela,“a defesa dos valores democráticos e de sua permanente invenção – ideais que forjaram a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) – parte da vocação do Maria Antonia. Essas premissas são evocadas a partir de obras potentes e de imagens icônicas que reafirmam a memória como processo permanente de construção e reconstrução que responde às inquietações do presente e abre a imaginação para pensar o futuro.”

A nova exposição cria um espaço de recordação do passado ditatorial, que permite contextualizar os fatos da assim chamada “Batalha da Maria Antônia”, ocorrida nos dias 2 e 3 de outubro de 1968, produzindo empatia e abrindo canais com outras temporalidades com o público. Para tanto, obras de diversos artistas visuais serão apresentadas ao lado de documentos e documentários sobre a época. 

O curador Márcio Seligmann-Silva recorda que os artistas visuais perseguidos durante aquele período investiram em um trabalho artístico de denúncia e resistência extremamente importante. Por outro lado, depois de 1985 “em sua maioria, afastaram-se desse tema.” Ele destaca ainda que “devemos lembrar que a transição para o período democrático deu-se com a participação dos mesmos políticos integrantes no regime de exceção, sofremos com a ausência de julgamento dos crimes contra a humanidade e com uma política do esquecimento, que foi transformada em um revisionismo político descarado, que tenta imprimir tons positivos àquele período nefasto. No entanto, existe uma nova onda de artistas que na última década se voltou a esse tema e que mostra uma necessidade e um desejo na sociedade de se voltar àquele momento crucial, que está sendo vítima de uma brutal falsificação com intuitos político-eleitorais. Eles fazem parte dessa mostra, ao lado de membros da resistência histórica do período da ditadura”, salienta. 

Seligmann-Silva salienta também a necessidade de se localizar os eventos ocorridos em outubro de 1968 na Maria Antônia tanto no contexto de outras ações do aparato de segurança da ditadura e de milícias que a apoiavam, como também no contexto mais amplo da guerra fria. Nesse sentido, ele destaca que “não devemos falar de uma ‘Batalha da Maria Antônia’, mas, antes, de um ataque orquestrado à USP, dentro de uma tentativa de desestruturar este espaço de educação crítica e de resistência ao fascismo que era a antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras”.

O pesquisador e também curador Diego Matos ressalta que a mostra vai além de um rico material de reconstituição histórica e crítica do que foi o movimento de resistência no contexto da “Batalha da Maria Antônia”, “é fundamental comentar a possibilidade de colocar em aproximação e diálogo a produção de artistas e intelectuais que vivenciaram os fins dos anos 1960 e os anos de chumbo pós-AI 5 com as novas realizações de uma jovem geração de artistas, mais desassombrada, que mergulhou na memória tangível daquele período”. 

Para Matos, “no primeiro caso, é a arte como conceito, desmaterialização, construção de novas representações e formas de circulação. Já no outro, entre os mais jovens, constrói-se uma prática de prospecção crítica amparada por linguagem desenvolvida e sofisticada pela anterior”, esclarece. “A meu ver, esta exposição só é possível por acontecer em um ambiente de debate público, a Universidade de São Paulo. É na esfera pública em que as múltiplas vozes silenciadas nas últimas décadas ganham lugar de escuta e ação”, completa.

A mostra contará com um projeto de acessibilidade, com audioguia descritivo e vídeos com legenda em português. Há previsão de ampliação para os próximos meses. Artistas de diferentes gerações integram a exposição: os experientes Carlos Zilio, Cildo Meirelles, Claudio Tozzi, Evandro Teixeira, Fúlvia Molina, os jovens Gilvan Barreto, Jaime Lauriano, Laís Myrrha e Rafael Pagatini, os fotojornalistas Hiroto Yoshioka e Orlando Brito, as professoras Leila Danziger e Giselle Beiguelman, o argentino Marcelo Brodsky, o coletivo formado por Roney Freitas, Isael e Sueli Maxacali e o cineasta Renato Tapajós.

O evento, permanente, é de terça a domingo e feriados, das 10h às 18h. Rua Maria Antônia, 294 – Vila Buarque – São Paulo

Deixe um comentário