CIDADE, CORPO, ALIMENTAÇÃO

cidade, corpo, alimentação

Nestes tempos de ficarmos mais em casa, Literatura é bom pra vista sugere a leitura do livro Cidade, Corpo e Alimentação, disponível na internet*. Trata-se de uma coletânea sobre as interseções destes temas, bem como suas identidades. A obra é uma publicação da Rede Ibero-Americana de Pesquisa Qualitativa em Alimentação e Sociedade (Rede Naus). Foi organizada pelas professoras e pesquisadoras Maria Lúcia Magalhães Bosi, Shirley Donizete Prado e Ligia Amparo-Santos. Em mais de dez artigos, a alimentação e a nutrição são apresentadas em suas transformações sociais, tendo como pano de fundo o processo de urbanização e industrialização ao longo do século XX e das primeiras décadas do século XXI.

Na introdução, redigida pela professora Shirley Donizete Prado, ela nos explica que os autores foram convidados a escrever sobre relações entre as cidades, seus habitantes e suas relações com alimentação. Nesta mesma introdução, a professora lembra que o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, em sua obra Mitológicas, “tomou a cozinha e a preparação dos alimentos para pesquisas sobre diversos mitos indígenas”.  Segundo ela, o antropólogo avalia “que a comida pode ser considerada na compreensão do que nos faz humanos”.

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Professora Shirley: “A comida é boa pra pensar”.

De fato. A descoberta do fogo tornou o cru, cozido. Ato cultural porque um ser humano, com suas próprias mãos e intelecto, conseguiu fazer fogo e cozinhar seu alimento, transformando-o em comida. Por isto, a comida é elemento de identidade humana e é sempre um meio de comunicação, tal qual a linguagem. Come-se por ter fome. Mas come-se, sobretudo, porque compartilhamos e comunicamos nossas experiências histórico-culturais do alimento. Costumes alimentares revelam critérios morais, laços de parentesco, tabus religiosos, classes sociais, além da memória coletiva de toda uma civilização e mudam com o tempo porque são culturais.

Continua a professora Shirley: “Se a comida é boa para pensar, as cidades também podem ser estratégicas para pensar, tanto em sua concretude quanto nos signos que carregam e transportam nos corpos e nos alimentos enquanto mediadores de relações sociais”.

Sobretudo porque cidades são, cada vez mais, locais de comer os alimentos mais variados, preparados pelas pessoas mais variadas e comida está na alçada da cultura, acrescentaríamos nós. A importância da comida é imensa. O ato de comer é nada menos que a origem da socialização. À medida que a espécie humana se reunia para criar seus utensílios, buscar comida, plantar alimentos, e depois, comer junta, falar junta, aglomerando-se em pequenos grupos, povoados, é que se originando outro tipo de socialização: as cidades.

Estava formado, então, o homem civil, o que constrói artificialmente a própria comida: uma comida não existente na natureza, para assinalar a diferença entre natureza e cultura, segundo Massimo Montanari, em seu livro Comida Como Cultura.

Cultura e distinção: Entre os séculos XVII e XVIII, cidadãos europeus pobres, por exemplo, consumiam o pão preto, preparado com cereais considerados inferiores, como centeio, cevada e, por isto, mais barato. O pão branco feito com trigo (mais caro e raro) era consumido pelos nobres. Havia o pão da pobreza e o pão da riqueza. Mas isso mudou. Nos dias atuais, os pães feitos de grãos integrais são mais caros e indicados como mais saudáveis. Outro exemplo de como o alimento nos imprime sua marca e seu valor é o arroz branco no Brasil. Trazido e consumido pelos portugueses do Brasil-Colônia, era considerado um alimento de pessoas de posse e distinção, segundo nos informa Luís da Câmara Cascudo em seu História da Alimentação no Brasil. Hoje, o arroz perdeu sua pompa, tornando-se acompanhamento. Há, inclusive a expressão ‘arroz de festa’, referindo-se a quem está em todas, sem distinção.  Isto porque é a vida social que organiza os estilos e a estética da alimentação. O gosto está imbricado neste processo e é também cultural. Atos rotineiros, por exemplo, como usar a faca para passar manteiga no pão, comer o jantar salgado e depois a sobremesa doce representam a adoção de regras, costumes e hábitos de dada sociedade, que seguimos automaticamente. Entranhados que está em nós a cultura da comida e do alimento.

A coletânea resulta de parceria entre o Laboratório de Avaliação e Pesquisa Qualitativa em Saúde (LAPQS) da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura (Nepac) da Escola da Nutrição da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Núcleo de Estudos sobre Cultura e Alimentação (Nectar).

*https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/30768/1/cidades-corpo-e-alimentacao-MIOLO-repositorio.pdf

Imagens: Internet.

 

“Leitura! Leitura!”, Carlos Drummond de Andrade)**

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A ARTICULISTA ARILDA RIANI

AINDA SOBRE O DIA NACIONAL DO ESCRITOR*

**“Leitura! Leitura! Como quem diz: Navios… sair pelo mundo voando na capa vermelha de Júlio Verne. (Carlos Drummond de Andrade)

Em 25 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Escritor.  A data foi instituída em 25 de julho de 1960 quando do Primeiro Festival do Escritor Brasileiro, uma iniciativa da União Brasileira de Escritores, então sob a presidência de João Peregrino Júnior e Jorge Amado. O objetivo era homenagear aqueles que se dedicam à produção de textos científico ou literário, enaltecer a criatividade e a inteligência dos que nos colocam em contato com novas culturas, saberes e novos mundos; dar maior visibilidade ao escritor e buscar meios de manter viva a literatura.

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Peregrino instituiu o Dia do escritor

Ser escritor não é tarefa para qualquer mortal. Há que ter domínio do vocabulário, da gramática, da ortografia, boa dose de criatividade e de conhecimento do mundo para deixar na entrelinha a mensagem da sua vivência, como fez Graciliano Ramos na prestação de contas da Prefeitura de Quadrangulo, uma verdadeira joia literária. Ao contrário de Graciliano, o autor de um texto científico não pode se deixar levar pela imaginação. Tem que ser técnico, comedido e valer-se de termos precisos de área específica, como nas bulas, que trazem uma linguagem fechada a quem não domina o assunto, mas entende as linhas gerais da prescrição. Ao comemorar esse importante dia para a cultura brasileira, destacamos alguns dos nossos escritores para mostrar quão complexa é a arte da criação literária.

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Graciliano Ramos: autor de Vidas Secas

O ato de escrever para Mário de Andrade era pura intuição. Escrevia “sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita, e pensava depois não só para corrigir, como para justificar o que escrevi”. Nesses momentos eu escrevia com fogo. Tudo vinha dócil, pressentido com ardor apaixonado”… Assim foi com a maior parte da sua produção e com “Macunaíma”, escrito em poucas horas de ininterrupto trabalho intelectual na procura de uma estética literária apurada para mostrar sua visão do mundo. Com João Guimarães Rosa não era diferente. Em um dos seus prefácios segreda que desde cedo se viu cercado de toda sorte de avisos, pressentimentos e mistérios, e que no plano da arte e da criação não foi diferente. Às vezes a inspiração vinha “pronta e brusca” em estórias diferentes entre si no modo de surgir. Havia momentos que era só levantar as mãos para alcançá-la; em outras ocasiões ela caía já pronta no papel enquanto brincava com a máquina de escrever, ou então era ditada e sustentada “por forças ou correntes muito estranhas”. Nesses momentos, ele se deixava conduzir para só depois fazer pequenos ajustes. Uma das páginas mais importantes da sua criação está na “engenharia” da estória “Curta mão”, na qual o narrador se coloca como um “mestre arquiteto”.

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Mario de Andrade dizia “escrever com fogo”.

Racional, João Cabral de Melo Neto confessa que “escrever é estar no extremo de si mesmo”, é uma operação minuciosa, comparada ao ato de catar cada grão do feijão na busca da inspiração e da palavra certa. Ao jogar a palavra no papel é hora de colher as primeiras impressões e burilá-la em forma e conteúdo, combinando e selecionando tudo com rigor para identificar o grão que boiará como “água congelada, por chumbo seu verso”, para depois “jogar fora o leve e o oco, palha e eco”.

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Para João Cabral escrever era “joar fora o leve e o oco, palha e eco”. 

Como João Cabral, Carlos Drummond de Andrade considera o fazer poético uma luta cotidiana com as palavras. Esse processo criador aparece em várias fases da sua extensa obra, ora como o poeta que canta “o tempo presente, os homens presentes/ a vida presente”, ora o poeta que constata que vive em “um tempo que a vida é uma ordem”, ora é aquele que vê no verso a sua consolação. No poema “O Lutador” está expressa a luta para atrair a palavra certa, para tirar a pedra do meio do caminho que a todo custo dificulta encontrar a palavra em estado de latência, levando o poeta à exasperação e a insistir humildemente para persuadi-la. A chave do seu processo criador está em alcançar o objetivo artístico, estético e conceitual através da palavra, porque é ela que fica e vai mostrar como o poeta vê o mundo.

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O fazer poético de Carlos Drummond de Andrade

A literatura foi o grande amor de Lima Barreto, levando-o a declarar “queimei os meus navios; deixei tudo, tudo, por essas coisas de letras”. Lima Barreto entendia que Literatura e Arte se combinam e não podem estar dissociadas da função social, por isso não se curvou à estética literária da época para ser reconhecido no meio acadêmico. Sua linguagem voltada para o povo e para personagens marginalizados desagrada aos críticos, que não percebem nela os primeiros vestígios da oralidade. Mas ele sabia que seus supostos defeitos de escritor estavam no academicismo da época, “nos tais clássicos e sabedores de gramática” que respeitava “como a qualquer toco de pau podre por aí”… Lima Barreto faz do jornalismo uma tribuna para reformar, levantar julgamentos esquecidos, difundir e discutir o sofrimento da humanidade, sem se preocupar com a fôrma, porque entendia a Literatura como instrumento de comunhão entre os homens de todas as raças e classes sociais.

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Lima Barreto: “Queimei os meus navios; deixei tudo, tudo, por essas coisas de letras”.

Ao fazermos incursão nesse tema diversificado e rico, “Literatura é bom pra vista” presta homenagem a todos que fazem da arte da palavra uma alavanca para despertar no leitor a esperança por um mundo mais justo e melhor.

Doutora em Letras pela Uerj,  a articulista Arilda Riani escreve em Literatura é bom pra vista quinzenalmente. 

 

A HISTÓRIA DO HERÓI ULISSES AO VIVO

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Hoje, 27/07, tem Odisseia na veia. A epopeia do poeta grego cego Homero narra a fantástica trajetória do herói Ulisses em seu retorno para casa, após o triunfo na Guerra de Troia. Durante os dez anos de navegação, o herói enfrenta deuses e monstros da mitologia grega nos desafios que encontra no caminho de volta à Ítaca. A Odisseia é a continuação da Ilíada, também escrita por Homero, onde apresenta a Guerra de Troia como a conhecemos, com seus incríveis personagens. Sua narrativa serviu de inspiração para outras obras clássicas da literatura mundial como Os Lusíadas, de Camões, e Ulysses, de James Joyce.

O encontro será online pelo Clube de Leitura do Instituto Ling, com o professor Cláudio Moreno, que apresentará um dos grandes clássicos da Antiguidade, a segunda obra mais antiga da literatura ocidental: Odisseia, de Homero. Escrita provavelmente no Século VIII a.C., a obra divide-se em 24 cantos escritos com a finalidade de serem recitados em público, cativando a atenção e as emoções dos ouvintes e, por essa razão, possuem o ritmo bem marcado.

Homero, poeta grego, é autor dos poemas épicos Ilíada e Odisseia, duas obras importantes da Grécia Antiga. Considerado um dos principais fundadores da mitologia grega, curiosamente não se tem evidências concretas de sua existência. Suas obras oferecem um importante registro da cultura grega e a riqueza infinita de metáforas para nossas vidas.

*O encontro ocorre na segunda-feira, 27 de julho, a partir das 18h30, no Zoom. Os ingressos estão disponíveis neste link. A entrada é gratuita.

A leitura prévia da obra é recomendada, mas não obrigatória. O objetivo da atividade é debater sobre a obra, o autor e as diferentes nuances de sua narrativa, em um animado bate-papo literário.

Sobre o professor
Cláudio Moreno é formado em Letras, com ênfase em Português e Grego. É Mestre em Língua Portuguesa pela UFRGS e Doutor em Letras pela PUCRS. Foi professor do Instituto de Letras da UFRGS e das faculdades de Direito e de Comunicação da PUCRS. É colunista regular do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, com uma seção sobre mitologia e outra sobre questões de nosso idioma. É o autor de Guia Prático do Português Correto (4 v.) e de O Prazer das Palavras (3 v.), pela L&PM, e coautor de Português para Convencer (Ática). Publicou também o romance Troia: o romance de uma guerra e três livros de crônicas sobre a Antiguidade — Um Rio que Vem da Grécia100 Lições para Viver Melhor; histórias da Grécia Antiga (Prêmio Açorianos de Literatura 2009) e Noites Gregas (Prêmio AGE Crônica – 2016), que acaba de transformar em podcast. Mantém o site sualingua.com.br.

FONTE: https://literaturars.com.br/2020/07/22/classico-grego-e-tema-de-encontro-do-instituto-ling/

 

DIA DO ESCRITOR É HOJE

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O Dia Nacional do Escritor é comemorado em 25 de julho. A data foi escolhida pelo  então ministro da Educação e Cultura Pedro Paulo Penido, em 1960, para homenagear escritoras e escritores brasileiros.

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Foi de Penido a idéia de criar o Dia do escritor.

A ideia de Penido surgiu por ocasião do primeiro Festival do Escritor Brasileiro, realizado em 1960, no dia 25 de julho. O evento foi patrocinado pela União Brasileira dos escritores, sob a presidência de João Peregrino Júnior e Jorge Amado (foto), um dos principais nomes da literatura nacional.

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Imagens: Internet

“À MODA DE ROSA”, O GUIMARÃES

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Doutora em Letras pela Uerj,  a articulista de Literatura é bom pra vista, Arilda Riani escreve neste espaço quinzenalmente. Desta vez,  ela nos brinda com inspirações de Guimarães Rosa (1908-1967). Ah, a obra-prima Grande Sertão, Veredas, do autor, está em domínio público*.

 

 

 

“À moda de Rosa” é uma brincadeira com palavras onde procuramos juntar frases e pensamentos dos diversos textos de João Guimarães Rosa para jogar com os recursos linguísticos de um dos escritores mais instigantes da nossa Literatura. Sua linguagem avança por ousadias sintáticas e morfológicas muito elaboradas, construções elípticas, passagens obscuras e fragmentação frasal que surpreendem e prendem pelo interesse em lhes desvendar o sentido.

Ao ler e (re)ler seus textos, procurei fazer uma leitura introspectiva, redemorada e cabismeditativa sobre os elementos que possibilitariam a chave para acesso a alguns dos mistérios do seu labor literário. A alguns, apenas, porque muito se haverá de escrever sobre. Muita especulação ainda se fará do estilo e a escola literária a que pertenceu. Modernista? Pós-moderna? Barroca? Árcade? A linguagem cósmica de Rosa não encontra fronteiras e rotulá-la em determinada escola literária seria cerceá-la, colocá-la em uma camisa de força, expediente a que jamais se submeteria.  

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Fácil empreitada não foi a brincadeira. E me inventei neste gosto de especular ideia. De primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Eu só queria ficar no range redesó no aproveito de uma sesta de soneques, no apreceio da rosação das roseiras, do ensol do sol, do luaral. Vote! Tem diabo nenhum na escritura dele. Nem sprito. Nunca vi. Quem mói no asp’ro não fantaseia, pensei. E vi que uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com milmilhar de palavras, fraseeiNão fosse o meu despoder… Ahã. Convinhável não era desistir. De déu em léu, sem desageração, foi juvenescendo uma inclinação de abelhudice. Afinal, momento não era pra azedar a mandiocaAntenasal a infinilhões de livros, torei pradiantemente como num pervôo; era mesmo meu rumo e aceitei o destinar. Às vezes perdida, derreada de rota, achava que nenhão nunca pegaria o caminho. Ah pois, a gente ficava em nervosiasRosneava curto, baixo, meias palavras encrespadas no sobredentro das ideias pensando apurar tiros! Matar tresmatado. Ara! Mesmo foi que uns dias passei na asperidão, em tristeza, demudada. Não desesquentei a cabeça. Sosseganteambicioneira, sem embirrâncias, vi que remelhor p’ro meu pão-nosso era não demasiar e deixar as quisquilhas. Afinal, pão ou pães é questão de opiniões…Estava compalavrada e não podia ser discordiosa. Ninguém não bradaria como um trovão, lavorei, pensando! E ninguém nenhuns ficaria porfalando, sofismei. Boamente assenti. Assaz mesmo, a gente amolece quando não padece. Hem? Hem? 

GRANDE SERTÃO

Ao que empós, demorãovagarosinho, pé por pé  por si uma vontade grandeúda chegou e se endiabrou. E foi então que tudo aconteceu miudim. Assumi; em trela, me governei: nas grimpas, gritei! Tudo me comprazia de por diante. Aquilo me inteligenciava e livre fiquei para lidar melhormente no imaginamento. Toda qualidade de imaginamento, de alto a alto. Passarim que se debruça, o vôo já está pronto! 

 Dei patas à fantasiaE: de-repentemente foi um desafogaréu. Experimento. Ir. Sem tomar direção, sem saber do caminho. Primeiros passos: os piores. Palavra grafada diferente? Limpo os óculos: de orelha com a pulga atrás! Sigo. À estrada. Uma associação fônica perturba os meus sentidos. Vou pé por pé, pé por si. Um trem de uma construção esquisita tomba sob meu olhar atônito:

NomopadrofilhospritossantameinTesconjuroTesconjuro! – penso. Entro a bramir a reza-brava de São Marcos. O choque foi rijo. Paro. O medo O. O medo me miava. Recupero-me. Pé por p… Uma onomatopéia aguça os meus sentidos. Vamos. Outra esbarradela. Agora o pronome se- antecipa ao verbo. Êpa, este recurso fora da norma gramatical me dá no rosto, com mão de homem!… Pulso um murro no vácuo. Passo a examiná-la como um surgilãoOsga! Rio-me, de mim. O feio está ficando coisa! Um horr de palavras, destamanho! que não se acabam mais, formadas por prefixos, sufixos, amálgamas… Bonitas! Toda palavra inventada no feliz é bonita; mesmo porque, infelicidade é questão de prefixoAh, mas nem tanto à várzea nem tanto à serra e fisgo antanho, quatrolhos, quatralvo, mancornado, versicolor! Lindor de palavras recuperadas para nossa glória! Um neologismo fonológico à espreita prende o meu fôlego. Resmungo: – Disgrama, pega à unha joão-da-cunha! Na rampa da cara, uma desconstrução frasal tromba comigo. Desespero-me: – Deus é quem sabe o por não vir! Pulo de-banda e venço o obstáculo. Compreender deixo pra despois. E esbravejo: Terminar eu vou esta proseação, nem que seja a porrete!… E vou mesmo, por bem ou por mal!… E a minha vez há de chegar… Minto? Desminto! Aceitei: quem é que vive de não? Agora vou muito ligeiro… peporpépeporsipepp or pepppepp or see.. Pepe  orpepeheppeorcy Ê-ê-ê-ê-ê-eh, trem bão! Não disse? Quem nasce na Galiléia não bobeia!  Difícil? Viver também é muito dificultoso, mas é preciso reconhecer no cada-dia o lindor da brumalva e o casacão das estrelas na sonoite!… 

Fiz tudo, senhor, batatas plantadas, macacos penteados, ninguém na esquina, tomei banho na caixa de fósforos, o boi se amolou, o outro também, os porcos idem, foi lambido o sabão; e a Lherda e Nherda fui, aqui estou… Me cerro, mire e veja. Cumpro. Contei tudo.  

*http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=159223

 

 

 

FELIZ DIA DO AMIGO

 

gordo e o magro

Em 20 de julho é celebrado o Dia Internacional da Amizade. A data foi criada pelo médico argentino Enrique Ernesto Febbraro, que considerou a chegada do homem à Lua como um símbolo de união entre os seres humanos. E é tão bom ter amigos… Vinicius de Moraes, o poetinha, que nos deixou há 40 anos, em 9 de julho de 1980, em seu Soneto do Amigo, dizia que “amigo a vida não explica, mas é o espelho da alma da gente que se multiplica”. Literatura é bom pra vista publica, então, o Soneto do Amigo completo, a  seguir, porque amigos são preciosos e fazem bem pra tudo:

vinicius de moraes

SONETO DO AMIGO

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…

Fonte: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/soneto-do-amigo

Imagens: internet

A PERSEVERANÇA DA ASTUTA PENÉPOLE

 

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Mitos servem para explicar a condição humana. Servem-nos também de exemplos. A rainha Penélope não podia se opor ao desejo do pai abertamente, mas conseguiu criar estratagemas e adiar seu destino. Teve perseverança, resiliência, inteligência e astúcia para pôr em prática seu plano, vencer as intempéries e fazer valer seu desejo. Um tento e tanto. Sobretudo sendo mulher há mais de  Mitologia é bom pra tudo. Conheçam os estratagemas de bela rainha para fazer valer sua vontade:

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Penépole, a que fia e tece

Rainha de Ítaca, uma entre tantas as ilhas gregas, Penélope fiava incansavelmente um manto, durante todo o dia, para desmanchá-lo, secretamente, à noite, longe das vistas de seus pretendentes e de seu pai, Icário, que desejava casar a filha a todo custo, em segundas núpcias. Ela não queria casar com ninguém porque tinha esperanças que Odisseu, seu marido, estivesse vivo.   Icário achava que o genro, o herói Odisseu e rei de Ítaca, morrera na guerra de Tróia para onde havia partido há cerca de 20 anos. Penélope, cujo significado é aquela que tece, conseguira criar um ardil: prometeu ao pai aceitar a corte dos pretendentes e até se casar com um deles. Mas somente quando terminasse de tecer o manto para o sogro, Laerte. Enquanto tecia e destecia, Penélope esperava ganhar tempo e, quem sabe, ver seu marido chegar. Uma noite, uma das aias viu o que fazia e denunciou a rainha ao pai. A rainha teve, então, de terminar a colcha. Atraiu a ira dos pretendentes. Alguns a ameaçaram de morte. Outros de casar com ela à força. Mas não se deu por vencida.

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O casal, finalmente

A história data, provavelmente, do século VIII a.C. e nem pensa ser permitido às mulheres ficar contra marido ou pai. Penélope, contudo, conseguiu convencer Icário com um novo estratagema: a casá-la somente com quem conseguisse atirar uma flecha com igual maestria àquela de seu marido e com um arco que o marido havia deixado. Nenhum pretendente conseguiu. Mas ela sabia que isto iria acontecer, pois a rainha também sabia que o arco do marido possuía um dispositivo especial e era bem mais firme que os demais. Neste meio tempo, Ulisses chega a seu reino e não se identifica. Disfarça-se de mendigo e participa do concurso. Ganha, claro, mostra-se quem é, mata os que haviam ameaçado sua mulher de morte e fica com Penélope.

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Odisseu mata os pretendentes da mulher

O retorno de Odisseu à Itaca, as aventuras pelas quais passou e também a história de sua Penélope estão narrados em Odisséia, do poeta grego, cego, Homero, datada do século VIII a.C. A obra está em domínio público: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=1924

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A  Odisséia de Odisseu

Imagens: Internet

O MAL-ESTAR DA CIVILIZAÇÃO

FREUD

Para Sigmund Freud, o pai da psicanálise, como seria a sociedade se todos os indivíduos fossem de fato felizes? Um caos completo!

E, claro, Freud abordou com maestria o tema  na obra, obra escrita em 1930, e, agora, republicada. Segundo o médico e fundador da psicanálise, para compor uma sociedade o sujeito precisa deixar de ser um indivíduo, controlar seus impulsos mais intrínsecos e viver privado da total liberdade. Ou seja, precisa se submeter a opressão civilizatória da cultura, seja por meio da religião, normas sociais e ditos bons costumes.

Nesse sentido, de acordo com Freud, sem nenhuma chance de satisfazer-se verdadeiramente, estaria o homem condenado a um estado permanente de neurose?

Em O Mal-Estar na Civilização, Sigmund Freud revela que comunidades são compostas por elementos desiguais, que tendem a deixar as angústias de homens e mulheres expostos. Ainda, diante de sua pesquisa aponta a cultura como uma causa de mal-estar para a humanidade; a civilização submetendo a pulsão como sacrifício ao dito bem comum. Condenando a sociedade a inúmeros distúrbios psicológicos.

 

Para o pai da psicanálise, uma pessoa é composta por:  Id, o EU e o Super-Eu (ou Superego). O Id é aquele que carrega os instintos mais primitivos, age de forma ilógica seguindo apenas o prazer. O Eu é aquele que se forma dependendo do ambiente que primeiro temos contato, como bebês e crianças, e ele age de forma lógica, com princípios da realidade, buscando o prazer, porém evitando o desprazer. Já o Super-Eu é aquele que se atenta às questões sociais, não sofre de forma alguma com as influências do prazer.

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Diante dessas explicações, Freud diz que todas essas “personas” dentro de cada um entram em conflito diariamente. Tem instintos, buscam o prazer, fogem do desprazer e tentam se adequar constantemente à sociedade. No entanto, é impossível equilibrar todos esses modos de vida, e a partir disso, os distúrbios psicológicos começam a aflorar.

Em O Mal-Estar na Civilização, o pai da psicanálise alerta como são preocupantes os danos causados pela sociedade, e a obrigação de viver dentro das regras. Ao mesmo tempo em que pontua como seria a vida sem leis. Estaríamos mesmo condenados?

 

 

Sobre o autor: Apesar de não ter sido o primeiro médico a propor técnicas de tratamento mental para a cura de doenças não detectadas organicamente, Sigmund Freud (1856-1939) é considerado o pai da psicanálise por causa de seus esforços e sua dedicação a essa nova disciplina. Ele iniciou suas investigações ao observar a melhora de pacientes histéricos submetidos à hipnose, analisados principalmente no trabalho do médico francês Jean-Martin Charcot. A partir de então, desenvolveu uma série de teorias sobre o inconsciente, vindo a abandonar a hipnose e dando lugar à cura pela fala.  Destacam-se em sua teoria a análise do sonho como realizador de desejo, o Complexo de Édipo e a Repressão. Inicialmente marginalizados pela classe médica de Viena por causa de suas ideias sobre o tratamento psicanalítico, seus escritos começaram a se popularizar pelo mundo no início do século XX, recebendo apoio de outros médicos ― como Carl Jung, por exemplo ―, que culminou com a criação do Movimento Psicanalítico. De família judaica, teve seus livros queimados na ascensão do nazismo e refugiou-se em Londres, onde morou até sua morte, aos 83 anos de idade.

Sinopse: O mal-estar na civilização nos apresenta a teoria freudiana de que o conflito entre as regras sociais e as pulsões primitivas do homem seria a principal causa dos distúrbios psicológicos de nosso tempo. Escrito em 1929 e publicado no ano seguinte, tornou-se uma das obras mais lidas do psicanalista tcheco. Este estudo da relação entre a sexualidade e a agressividade do indivíduo e a opressão civilizatória da cultura é uma verdadeira investigação sobre as origens da infelicidade do homem. O mal-estar na civilização — nesta edição traduzida por Saulo Krieger e prefaciada pelo doutor em filosofia  Guilherme Marconi Germer — é um dos mais importantes tratados médicos da história da psicanálise, bem como uma importante ferramenta de análises sociológicas. Uma obra-prima que nos faz questionar: estariam as comunidades condenadas a um estado permanente de neurose?

 

DIVERSIDADE: APRENDENDO A SER HUMANO

CORTELA

Uma das formas mais agressivas de recusar a Diversidade na vida humana é o Preconceito Racial!”. A frase é do professor e um dos principais filósofos contemporâneos, Mario Sergio Cortella, com novo livro na praça: A Diversidade: Aprendendo a Ser Humano.

O professor dedica um capítulo inteiro para explicar sobre o preconceito racial. Em um dos trechos da obra, lançada em 6 de junho, Cortella cita como exemplo que muitos livros de História, ao mencionar as milhares de famílias destruídas no continente africano nos 500 anos mais recentes do Ocidente, trazem uma expressão equivocada: “os escravos vindos da África”.

LIVRO CORTELA

Para Cortella o objetivo das políticas afirmativas não é criar um preconceito às avessas, mas sim, proteger fragilidades e fazer com que a sociedade avance até não precisar mais desses mecanismos. “Todo aquele que é frágil ou fragilizado em uma sociedade que aspira à dignidade coletiva deve ser protegido. Quem é frágil? A pessoa numa situação de fragilidade é aquela que tem diminuída sua condição de vida e seus direitos”. Conheça um trecho da obra:

“Colocada assim, dá a sensação de se tratar de um lugar onde escravos nasciam e eram apenas buscados. Isto é, há uma naturalização de uma vitimação. Certa vez, eu, Cortella, estava em uma conferência na Bahia, e uma menina de 21 anos, habitante de um quilombo na área do meio-sul do Estado, veementemente ativa na questão da etnia, usou uma expressão preconceituosa sem perceber: “Eu, que sou neta de escravos, …”. E eu fui conversar com ela depois: “Olha, você não é neta de escravo. Você é neta de escravizado”. Minha intenção, ao fazer essa observação, era apontar que lá não havia escravos, mas homens e mulheres que lá nasceram e foram escravizados e escravizadas.”

FOTOS: Internet

LEI ALDIR BLANC PRÊVE RECURSOS PARA QUEM TRABALHA COM CULTURA

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Sancionada no dia 29 de junho, a Lei Aldir Blanc, que homenageia o compositor carioca morto em maio pela Covid-19, prevê R$ 3,6 bilhões para o trabalhadores da área cultural do País, um dos setores mais gravemente afetados pela pandemia do novo coronavírus. Publicada no dia 30 de junho no Diário Oficial da União, a Lei 14.017 de 2020 estende o auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais, cooperativas e espaços culturais a ser pago em três parcelas mensais.

Estão aptos a receber o auxílio trabalhadores com atuação comprovada no setor cultural nos últimos dois anos, sem vínculo formal de emprego e que não receberam o auxílio emergencial atualmente em vigor ou outros benefícios previdenciários.

Espaços artísticos e culturais, bibliotecas comunitárias, livrarias, pequenas e microempresas como editoras, sebos, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as atividades interrompidas poderão receber entre R$ 3 mil e R$ 10 mil mensais através dos fundos municipais e estaduais. Para isso, os gestores devem estar inscritos em cadastros nacionais ou estaduais, ou no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (Sniic), ou no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (Sicab).

A lei determina ainda que as instituições e empresas beneficiadas com o auxílio devem realizar atividades aos estudantes de escolas públicas ou em espaços públicos de forma gratuita.

Fonte: https://literaturars.com.br/2020/07/01/lei-aldir-blanc-contempla-profissionais-empresas-e-instituicoes-do-setor-literario/