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No dia da Mulher, comemorado neste 8 de março, Literatura é bom pra vista publica a entrevista com Silvana Mansano e homenageia todas as mulheres, que são capazes de fazer tudo ao mesmo tempo, sempre, sem perderem o charme, a garra, bem como o orgulho de serem mulheres.
Trabalhando muito, apaixonada por animais e pelo queridinho de Literatura é bom pra vista, o genial Lima Barreto, a advogada Silvana Mansano acumula suas tantas tarefas diárias a um mestrado na Universidade de Marília. O tema de sua pesquisa? Lima Barreto, claro!
Única filha entre quatro irmãos, ela adquiriu sua paixão pela leitura e seu prazer de ler, graças ao pai, dono de um pequeno comércio. Embora tivesse pouquíssima instrução formal, ele presentou sua garotinha com quase todos os livros do Monteiro Lobato (em domínio público, a partir de 2019). Silvana tinha então sete anos e era estimulada pelo pai a contar todas as aventuras dos fantásticos personagens de Lobato. Enquanto trabalhava duro no armazém para sustentar a família, aquele pai ouvia, orgulhoso, sua filha narrar as diabruras da boneca Emília e as feitiçarias da Cuca.
Já na adolescência, esta paulista da cidade de Marília descobriu e se encantou com Érico Veríssimo. “Mas foi com Lima Barreto, após um trabalho que fiz na escola sobre Policarpo Quaresma, que passei a ter um olhar muito diferente sobre as mazelas do Brasil”, recorda.
Com 16 anos, mudava-se para Campinas e iniciava uma faculdade de Direito. Não gostou muito, mas seguiu em frente. “Sabia que não era exatamente aquilo que eu queria”, diz. Tanto sabia que prestou vestibular para Letras no ano seguinte e foi aprovada. Silvana peitou as duas faculdades ao mesmo tempo. Três anos depois, com os estágios obrigatórios em Direito, precisou interromper o curso de Letras.
Concluído a graduação, partiu para uma pós-graduação em Direito Tributário. Advogou em diversos escritórios em Campinas e foi professora substituta. Por alguns anos se afastou da profissão, trabalhando como voluntária em projetos sociais na região Norte e Nordeste do país. Em 1996, foi, como voluntária, à Guatemala, fazendo parte do grupo de apoio da Cruz Roja, onde permaneceu por quase dois anos. Ao retornar ao Brasil, voltou a advogar em diversos escritórios na cidade de São Paulo. Mas a literatura já estava entranhada nela e não pensava em arredar o pé.
“O salário era muito bom e nada me faltava, mas nunca fui feliz e realizada na advocacia, era um imenso desconforto. Fui adiando uma nova interrupção, sempre tendo a literatura como refúgio seguro. O poder aquisitivo sempre foi mediano, mas com a advocacia pude me dar ao luxo de entrar nas livrarias sem me preocupar muito com os preços. No entanto, trabalhava tanto que pouco tempo sobrava para ler tudo que comprava”, lamenta.
Com a doença do pai, Silvana retornou a sua cidade natal, parando, mais uma vez, de advogar. Foi neste período que também voltou a ler Lima Barreto com maior atenção. Ela tinha todos os livros do autor. Fez releitura dos seus preferidos: Policarpo, M. J. Gonzaga de Sá, Marginália, Bruzundangas. Havia, contudo, um livro de Barreto, em especial, que sempre a inquietou: Clara dos Anjos.
‘Não era meu preferido, mas era o que me aguçava a curiosidade de saber mais da personagem, saber aquilo que Lima Barreto não desvendava de imediato e também entender a angústia do escritor na retratação daquele ambiente e daquela protagonista. Mas isso ficou na memória, em alguma gaveta que nem me lembrava mais”, conta.
E a Literatura continuava nela, respirando, quietinha.
Os anos correram a passar, a passar. Seu pai se foi e quem adoeceu foi sua mãe. Para tentar sobreviver a essa conturbada fase de sua vida, Silvana decidiu que era hora de tentar um novo rumo profissional na vida. Já estava com mais de 40 anos, não queria voltar a advogar. Decidiu, então, retornar ao curso de Letras. Como não havia essa opção na única universidade pública da cidade, optou por Ciências Sociais, área que estimula o estudo da literatura.
“O ingresso em um novo curso foi o sopro que faltava. Sou apaixonada por política e, exatamente por isso, achei que seria muito passional se estudasse o tema. Não teria a isenção necessária para me aprofundar em um estudo mais técnico. Por outro lado, os dilemas que cercaram a inserção da mulher negra, depois da abolição, sempre me chamaram a atenção. Eu queria entender como isso se deu em um ambiente urbano”.
Ao se preparar para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) já sabia o que ia estudar, mas não conseguia refinar seu objeto, pois não encontrava material que lhe agradasse. Em uma aula de metodologia, um professor, sabendo desta frustração, sugeriu que buscasse perguntas em outras fontes, como música ou literatura da Primeira República brasileira. E foi aí que rolou a epifania:
“Aquele livro guardado lá na gaveta da minha memória apareceu. Rapidamente li e reli o livro umas cinco vezes para ter certeza. E tive: Clara dos Anjos, de Lima Barreto, era a personificação da mulher negra da qual eu queria falar. Aliado a essa coincidência, tive a sorte de ser orientada por um professor que também é um apaixonado por Lima Barreto, o Luís Antonio. Depois desta descoberta foram quatro anos de imersão na vida do escritor Lima Barreto, de suas obras e do que escreveram sobre ele. Foram centenas de horas dedicadas a decifrar Clara dos Anjos, a maior obsessão da vida de Lima Barreto”, lembra Silvana Mansano.
O resultado destes estudos, além de um TCC aprovado, foi o projeto de mestrado, em que analisa o romance Clara dos Anjos como uma crítica social do Rio de Janeiro da Primeira República: “Não foi nada fácil chegar até lá, mas cheguei, e agora os próximos passos são desenvolver o projeto, escrever artigos e divulgar o nome de Lima Barreto, com o objetivo de que mais pessoas o conheçam e leiam seus livros. Se conseguir que, em especial, os jovens das classes menos favorecidas, leiam Lima Barreto, me sentirei ricamente recompensada”, afirma.
Atualmente Silvana Mansano trabalha no comércio da família, em Marília (SP). Seu orgulho, garante, são as mais de 500 obras que possui: “Os dramas têm minha preferência. Tirando o meu querido Lima Barreto, aprecio muito Thomas Mann, Guimarães Rosa, Hermann Hesse, Goethe, Dostoievisky, Kafka, Poe, Gabriel Garcia Marquez. Mas a poesia também tem seu lugar: gosto demais de Jorge Luís Borges, Caio Fernando Abreu e Pablo Neruda”, finaliza.
Dia da Mulher em Literatura é bom pra vista com mestranda de Lima Barreto, apaixonada por animais e por Literatura é um luxo!