TATIANE OLIVEIRA: “LITERATURA NÃO É PAVÊ. É FEIJOADA”

TATIANE VALE

A pedagoga Tatiane Oliveira tem um propósito. Ou melhor, uma nia: divulgar a cultura negra. Nia, que, em banto, significa propósito, foi também o nome que escolheu para o seu negócio: literatura, muita literatura. Tatiane vende livros infanto-juvenis e de adultos, que tratam da temática negra, mas diz que sua expertise mesmo é o público infanto-juvenil. Por quê, Tatiane? “Porque ninguém consegue se formar como cidadão se não ler literatura infantil.”

O negócio surgiu da própria necessidade da pedagoga. Ela trabalhava em uma editora e procurava obras com essa pegada e não encontrava. “Comecei a pesquisar e descobri que existe e não é pouca. É pouco divulgada. É uma produção considerável e que não tem uma visibilidade interessante”, analisa. Tatiane fez um curso de empreendedorismo e inaugurou a NIA em 2015, numa exposição no Instituto Palmares. “Comecei com um caixote. Com pouquíssimos livros. Vendi tudo. Foi um sucesso. É muita literatura boa”, diz.

PALMAS E VAIas

Estava escolhida, decidida  e fundamentada sua nia. A profissional afirma se considerar uma empreendedora de sucesso, diz que consegue vender bem em todas as feiras das quais participa e adorar trabalhar com a nia que elegeu. “Não me vejo fora da literatura. Fiquei viciada porque literatura vicia. Nunca mais se é a mesma pessoa depois de trabalhar com literatura. Trabalhar com literatura deixa a gente muito sensível. Mexemos com questões afetivas. Nosso olhar para o outro muda”, sentencia.

Literatura é bom pra vista, então? “Pra vista, pra alma, pro corpo. É alimento. Não é pavê, é feijoada”.

Qual o livro que indica para Literatura é bom pra vista, então? “Palmas e Vaias, de Sonia Rosa. É infanto-juvenil e conta a história de uma menina negra de 11 anos que é vaiada e só sua mãe a aplaude. Ela só tem olhos para a mãe para não desmoronar”. O email de Tatiane Oliveira é nialiteratura@gmail.com

NIA

ME CONTA UMA HISTÓRIA?

conta história

Durante séculos e séculos, a prática de contar histórias foi hábito de muitas famílias e comunidades ao redor do mundo. Casos, mitos, exemplos, depoimentos. Narrativas resguardadas pelo tempo que encantavam, uniam e davam asas à imaginação. Ouvir, pensar, sonhar com todos aqueles personagens que carregávamos vida afora. Pois bem. Este ato simples foi comprovadamente aceito como um meio de estímulo à inteligência desde os primeiros anos de vida. Um estudo publicado pela Revista Pediatrics em fevereiro e conduzido numa parceria entre pesquisadores da Universidade de Nova Iorque e do Instituto Alfa e Beto, de São Paulo, confirma o que já se desconfiava: ler em voz alta —  contar uma história — aprimora o raciocínio, aumenta o vocabulário, forma futuros leitores, além de melhorar a vida de todos em casa. O estudo foi realizado em Rondônia, entre 2014 e 2015, com 660 famílias pobres, com filhos de dois a quatro anos. Ao final da pesquisa, muitos pais relataram que a hora da contação de histórias passou ser considerada a melhor do dia. Contar histórias é bom pra tudo.

Ilustração: https://pedagogiaaopedaletra.com/literatura-e-educacao-infantil-recontando-historias/

HÁ 90 ANOS, MULHERES VOTARAM, MAS TIVERAM O VOTO CASSADO

voto-mulheres

A Constituição brasileira de 1891 não autorizava, mas também não proibia o voto feminino. O Rio  Grande do Norte, então, decidiu sair na frente, aproveitando esta brecha da legislação:  O deputado Juvenal Lamartine, que havia convivido com feministas e sabia da luta que travavam pelo direito ao voto,  foi eleito governador e convenceu O Poder Judiciário a permitir que as mulheres se alistassem para votar. Elas votaram, mas uma comissão no Senado cassou os votos das moças.  Isto ocorreu há 90 anos. As brasileiras só poderiam, de fato, votar e ser votadas em 1932. Esta e outras histórias sobre a conquista das mulheres brasileiras ao voto feminino estão no livro O Voto Feminino no Brasil, da historiadora da UnB Teresa Cristina Marques. O lançamento será no dia 22 de março, às 9h30, em Brasília, na Câmara dos Deputados. O livro pode ser baixado gratuitamente em PDF no endereço:

file:///C:/Users/santanna/Downloads/voto_feminino_marques.pdf

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TEM EXPOSIÇÃO DE MARIA AUXILIADORA NO MASP

O Museu de Arte de São Paulo (MASP) abriga a exposição da pintora Maria Auxiliadora da Silva (1935-1974). Neta de escrava e uma das grandes artistas do século XX, Maria vendia seus quadros na Praça da República, em São Paulo. Cresceu numa família de militantes do movimento negro. Precisou interromper os estudos para trabalhar. Foi contratada como bordadeira em fábricas e  também trabalhou em casas de família. Autodidata, pintava quando era possível. Foi na Praça da República que ela conheceu o crítico de arte Mario Schenberg, que se encantou com sua técnica: misturar massa plástica com tinta óleo, usar mechas do próprio cabelo para dar volume aos corpos negros que pintava em posições rotineiras e também festivas. A exposição exibe 82 obras da artista e fica no MASP até o dia 3 de junho. Mais detalhes: https://masp.org.br/.

Exposição é sempre bom pra vista.

CAROLINA DE JESUS: UMA ESCRITORA E TANTO

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Literatura é bom pra vista fala de mulheres notáveis e fortes neste mês de março, dedicado às mulheres. A escritora Carolina de Jesus (1917-1977) nasceu no mês de março e teria completado 102 anos no dia 14. Seu romance mais famoso foi Quarto de Despejo, escrito na favela do Canindé, em São Paulo, onde morou.  Carolina foi prolixa: escreveu músicas, contos, provérbios e poesias.  Quarto de despejo foi  redigido em forma de diário, em que a autora registra suas reflexões e impressões sobre sua vida: a busca de um teto, de comida, trabalho.  Mulher inteligente, lia muito retratava as condições miseráveis em que vivia na favela e de outros iguais a ela.  Catadora de papéis, pegava cadernos no lixo para escrever seus diários Teve três filhos e era com muita dificuldade que lhes dava o que comer.

“Ontem eu ganhei metade de uma cabeça de porco no frigorífico. Comemos a carne e guardei os ossos. E hoje puis os ossos para ferver. E com o caldo fiz as batatas. Os meus filhos estão sempre com fome. Quando eles passam muita fome eles não são exigentes no paladar”.

“(…) em 1948, quando começaram a demolir as casas térreas para construir os edifícios, nós, os pobres que residíamos nas habitações coletivas, fomos despejados e ficamos residindo debaixo das pontes. É por isso que eu denomino que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os trastes velhos.”

Carolina de Jesus foi incluída na Antologia de Escritoras Negras publicada em 1980 pela Random House de Nova York e no Dicionário Mundial de Mulheres Notáveis, publicado em Lisboa por Lello& Irmão.

Fontes: http://negronicolau.blogspot.com.br/2015/12/colecao-de-livros-de-carolina-maria-de.html#.WqxcBMPwbRY

http://www.liberarti.com/schede.cfm?id=4603&perolas_de_carolina_frases_e_reflexoes

MARIELLE FRANCO É IGUAL LITERATURA: BOM PRA TUDO. SEMPRE

MARI

Marielle Franco.  Mais uma mulher. Assassinada. Calada. Tocaiada. Em março, mês das mulheres. Mas Marielle vai ser igual literatura: vai deixar alegria, raízes, força, coragem, força e inspiração. Literatura é bom pra vista celebra a bela história que Marielle Franco nos deixou.

Foto: https://www.defatoonline.com.br/onu-pede-rigor-na-investigacao-do-assassinato-de-marielle-franco/

GILKA MACHADO SÓ PARA AS MULHERES. MAS OS MENINOS PODEM OLHAR TAMBÉM

GILKA MACHADOCapa da publicação A Revelação dos Perfumes, de Gilka Machado

 

Gilka

A bela e corajosa Gilka Machado

SER MULHER

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada
para os gozos da vida: a liberdade e o amor,
tentar da glória a etérea e altívola escalada,
na eterna aspiração de um sonho superior…

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada
para poder, com ela, o infinito transpor,
sentir a vida triste, insípida, isolada,
buscar um companheiro e encontrar um senhor…

Ser mulher, calcular todo o infinito curto
para a larga expansão do desejado surto,
no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…Ser mulher, e oh! atroz, tantálica tristeza!
ficar na vida qual uma águia inerte, presa
nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

No mês da mulher, Literatura é bom pra vista homenageia todas as mulheres com a poesia de Gilka Machado e com o link de suas obras, disponíveis na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, da Universidade de São Paulo (https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4839).

A carioca Gilka (1893-1980) fazia versos desde criança. Mas o primeiro livro, Cristais Partidos, só sai em 1915. Tinha, então, 22 anos. Segue escrevendo e, em 1930, ganha um concurso promovido pelo Jornal O Malho, quando é reconhecida por vários intelectuais como a maior poetisa brasileira. A poesia de Gilka garimpa o veio para trazer sensações, desinibir sentidos e experimentar erotismo. Numa conferência proferida em 1916, intitulada A Revelação dos Perfumes, Gilka fala de cheiros, sensações, sensualidades. Foi agraciada com o prêmio Machado da Assis, a maior honraria da ABL, em 1979. Gilka teve a coragem de tratar da intimidade e dos desejos da mulher de forma pujante e bela, no início do século XX, contrariando a chamada moral e os bons costumes da época. Vivam as Mulheres e viva Gilka Machado!

 

 

 

MULHERES PODEM FAZER TUDO

Regina TaccolaLiteratura é bom pra vista celebra o Dia da Mulher compartilhando com seus leitores uma bela história:

Quando Regina Taccola entrou para a faculdade de Medicina, em 1959, havia 180 inscritos: 170 alunos e 10 alunas, contando com ela. A futura médica decidiu ignorar o comentário de um professor de Física, sobre quais atividades eram e quais não eram destinadas às mulheres e foi fazer o que decidiu fazer. Ela lembra o episódio: “Estava no segundo ano científico, tive uma aula de Física Nuclear e comentei ter adorado. O professor me disse que aquilo não era coisa para mulher”.

Guardadas as devidas proporções, Regina refez o trajeto de sua heroína, a física e matemática Marie Curie. Primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel duas vezes por suas descobertas (o rádio e o polônio) e estudos sobre radioatividade, a polonesa Marie também era uma exceção em sua turma na Sorbonne, onde se graduou em 1883. “Marie Curie é minha heroína. Influiu em meu desejo de ser médica, de fazer pesquisa científica. Li muito sobre sua vida”, diz a médica Regina.

Descobrir, ousar, aventurar-se pelo desconhecido, deixar-se levar pela curiosidade, viver uma existência instigante. Regina foi vivendo assim. E assim foi que decidiu ser médica psiquiatra e seguiu decidindo: Estudou psicanálise no renomado Instituto  Iracy Doyle e se tornou psicanalista.  Foram 50 anos de atuação até se aposentar. Aos 70 anos (tem 76), decidiu que seria escritora. “Sinto atração pela aventura humana. Pelas minhas próprias descobertas e pelas relações que montamos uns com os outros pela vida. O que sempre me interessou foi tentar entender o mistério do ser humano”, afirma. Regina segue no terceiro livro, no prelo, de epifania em epifania, decidindo como vai construir sua ficção, ou verossimilhança, como toda boa literatura tem. Seu primeiro livro, Uma Tarde Embalada Pelo mar,

foi lançado em 2016. Logo decidiu engatar o segundo, Vida Louca, que reúne 15 contos curtos. E a temática dos livros, Regina? “Temáticas. Várias. Brotam reflexões do inconsciente. Mas trato de pessoas, sempre. E de suas relações”, explica.

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A bem da verdade, a escrita, os livros e a literatura são parte da aventura desta psicanalista que criava peças e encenava com os filhos desde quase sempre. Regina cita livros e autores com gosto e erudição. Clarice Lispector, por exemplo, com seu livro de estréia, Perto do Coração Selvagem, lido na adolescência, e Monteiro Lobato, na infância, ajudaram-na a dirimir conflitos, tocar a vida e as curiosidades que a vida traz. “Achei um desbunde Coração Selvagem: aquela descoberta da inocência porque todos somos inocentes de algo”, argumenta. Sim, Regina, porque a protagonista Joana é tão curiosa quanto você, querendo saber o que iria acontecer “agora, agora, agora, sempre no pingo do tempo”. O escritor Eça de Queirós levou Regina a experimentar amiúde a coragem que sempre soube ter. Coragem de mulher ousada que foi e continua a ser. Ela cita o escritor de cor: “Eça nos diz que tudo se reside na ousadia de se afirmar que é preciso ter coragem”.

O Idiota, de Fiódor Dostoiévski, é outra leitura apaixonada da escritora, que indica a obra para Literatura é bom pra vista. Regina também considera que o papel da literatura é dos mais importantes para as relações e dúvidas que todos temos: “A literatura bebe no inconsciente e dá acesso a ele. A literatura salva e se dá a compreender com o mundo próprio que nos apresenta”. Salva mesmo, Regina.

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