Criminalização do aborto: o relato de uma sobrevivente

Nesta quarta-feira (12), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) nº 1904/24, que equipara o aborto de gestação acima de 22 semanas ao homicídio, incluindo casos de violência sexual. A legalização do procedimento já é regularizada em 77 países, pois, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 39 mil mulheres morrem por ano devido à complicações causadas por abortos clandestinos.

No livro “Todas as minhas mortes”, a escritora e artista plástica, Paula Klien, traz um relato sensível, íntimo e pessoal sobre um aborto realizado aos 18 anos. O procedimento, mesmo tendo sido realizado em uma das melhores clínicas clandestinas do Rio de Janeiro, resultou em diversas complicações na saúde, como a morte de quíntuplos quando, posteriormente, decidiu ser mãe.

“Uma dor excruciante me acordou no dia seguinte. Fazia uma semana do aborto. Minha barriga parecia estar sendo furada por pregos. A tortura era tamanha que, se a escala de dor existisse para além de dez, minha dor seria mil. Foi esse o dia em que ela me veio como assombração. Antes, como já havia narrado, era só cólica menstrual das piores”.

Entre o prazer e a dor: uma ode à existência feminina

No livro “Todas as minhas mortes”, Paula Klien apresenta uma narrativa visceral que retrata todas as vezes em que precisou renascer. Com honestidade, crueza e toques sutis de humor, a artista Paula Klien adentra as profundezas da existência feminina no livro Todas as minhas mortes. Neste romance de autoficção, publicado pela Citadel Grupo Editorial, a autora dissolve a fronteira entre realidade e fantasia, ao entrelaçar vivências reais com as nuances da própria imaginação. É sob a voz narrativa ambivalente da protagonista Laví (abreviação de la vie ― ou a vida em francês) que o leitor será conduzido a uma viagem pelas águas turvas da subjetividade humana.

Ousada, determinada e questionadora, a personagem subverte as convenções sociais. As vivências íntimas e visceralmente humanas da personagem provocam sentimentos e reflexões sobre temas relacionados à sexualidade, amadurecimento e maternidade. Entre o prazer e a dor, a protagonista expõe com honestidade suas forças e fraquezas para mostrar todas as vezes que precisou morrer para renascer – como uma fênix – até, finalmente, realizar o sonho de carregar um filho nos braços.

Eu esgotaria as forças pelo ser que me escolheu para
– tal qual o Big Bang – expandir do nada um universo inteiro em mim.
Eu me esvaziaria inteira para bem conduzir quem colocou limite nos saberes
do mundo e calou a ciência. Eu iria até o fim de todas as linhas com ele,
e simplesmente com ele: com o mais desejado dos filhos.

(Todas as minhas mortes, pgs. 142-143)

Capítulo a capítulo, Paula Klien narra uma fase na vida de Laví e a cada ciclo, uma montanha-russa de emoções, pensamentos e sensações toma conta do leitor, que facilmente se identifica com o personagem. Hora em êxtase, hora em agonia, a narradora evidencia que, assim como ela, ninguém é bom ou mau o tempo todo. Ela traz as múltiplas camadas e nuances da existência humana, do primeiro grito ao último suspiro.

Com uma escolha cuidadosa das palavras e evocando os espíritos de grandes pensadores como Nietzsche, Espinosa e Lacan, a escritora traz para a literatura, além de bagagem como artista multifacetada, elementos da psicanálise e da filosofia. Todas as minhas mortes é uma narrativa repleta de simbolismos, metáforas mas também subjetividade, pois assim como a vida, essa será uma leitura única para cada um.

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